Parecer produzido por policial/psicólogo de DCAV do Rio de Janeiro não passa de "opinião pessoal", conforme a Juíza Ana Célia Montemor Soares Rios Gonçalves, da 11ª Vara da Família daquele Capital. Na sua sentença, a Dra. Ana Célia fez referência à "resposta ao ofício n° 176/208 pela Corregedoria de Policia Civil", que admite que um papel da DCAV destes, não é um "documento técnico". Refere também a
Vamos ver hoje este parecer, que incluímos na íntegra no pé da postagem. Eu vou começar com uma opinião pessoal: o parece me perturbe. Numa primeira leitura superficial, parece equilibrada e ponderada. Numa segunda leitura, percebe-se que a persuasão é superficial, que por baixo há erros profundos. Na terceira, a coisa se revela não somente falsa, mas tóxica.
O raciocínio circular
O parecer é uma resposta a uma juíza que perguntou, "Este papel é um laudo técnico? Eu uma prova válida, para qual eu posso me convencer?"
A autora do parece responde, "a lei adotou o principio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma a sua convicção pela livre apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios valorativos." Ou, em outras palavras, "Se a senhora se deixe convencer pelo papel, então ele se mostrou uma prova válida!"
Seguindo este raciocínio circular, juiz pode aceitar qualquer coisa, porque o critério de validade e se for aceito por um juiz!. Na caça às bruxas de Catanduva, a sentença que condenou o jovem William era um terço Freud. Freud não é ciência. O TJ-SP reformou a sentença, e liberou William. Mas ele ficou três anos preso antes. Quantos ficaram quanto tipo preso, por causo de juízes que não fizeram a pergunta, "isso é valido como prova técnica?" É sofismo, é nocivo.
A falta de isenção
Quando um policial tem apontado publicamente alguém como culpado de um crime repugnante, como ele vai dizer, "O laudo é negativo, o crime nem aconteceu, o 'monstro' é inocente."? A capacidade de aceitar e corrigir o erro é raro entre pessoas em geral, e mais raro ainda em quem escolhe a carreira de policial. Ciente da tentação de "consertar a prova" para não voltar atrás na acusação, o Instituto Criminalística é mantido independente e isolada do policial que está investigando o crime. Foi uma das coisas que ouvi em novembro, quando visitei o Instituto Criminalística da Polícia Federal. A isenção é essencial para que os testes tenham credibilidade.
No caso específico do creche Gente Inocente, o dono Paulo foi preso por um delegado que comprou um terno novo para aparecer na televisão. Depois, seu subordinado Emerson Brant ficou de entrevistar a criança. Daria laudo negativo?
Se tiver dúvida da isenção, já notamos que no caso Colina do Sol, os advogados foram até o STJ na tentativa de conseguir que um psicólogo designada pela defesa acompanhasse a entrevista psicológico das crianças supostamente vítimas. Não conseguiram. Mas na DECAV, ouvi de psicólogo/policial entrevistar criança com nem psicólogo mas advogado da acusação dentro da sala!
Papel de comprovar crimes, não de investigar
A falta de isenção transparece por vários frases. O papel dos psicólogos/policiais é a "colheita de relatos de violência sofridos", não de "ouvir crianças, e determinar se tenham ou não sofrido abusos".
O papel dos policias de DCAV era de fazer "entrevistas de revelação com as vítimas". Bem, no caso da Colina do Sol, as "vitimas", já adolescentes, negaram na polícia que houve crime, e também negaram na Justiça, negaram fora do Fórum em manifestação pública, e ao chegar aos 18 anos, negaram em cartório. Porém, o delegado tinha chamado a falsa psiquiatra Heloisa Fischer Meyer para fazer "entrevistas de revelação" mesmo. Um jovem negou com muitas palavras: a verbosidade era sinal de abuso. Outro era muito calado: seu silêncio era sinal de abuso.
O memorando ainda enaltece a vantagem do duplo papel do interrogado, ".. poupando a criança de relatar diversas vezes o fato criminoso, na medida em que as suas declarações são colhidas simultaneamente pelo policial, que também e psicólogo." Bem, um advogado da defesa que também é psicólogo não poderia interrogar a criança? Serve? E senão, porque serve uma interrogação por um policial que ache bom incluir um advogado contratado para acusar?
"Eficiente, célere e responsável"
Não há como negar que combinar os papeis de policial e psicólogo é eficiente e célere; combinar os papeis de promotor e juiz seria também. Muito pode ser dito contra os processos em que Stalin liquidou milhões, mas ninguém pode negar que foram eficientes e céleres.
Porém, como todo respeito pela delegada autora deste memorando, eu não acredito que a polícia tenha interesse numa investigação "eficiente, célere e responsável". Já documentamos a velocidade incompatível com que a polícia procure e transmite para a Justiça indício de crime e provas de inocência. Para não ser injusto com a polícia, meus colegas jornalistas podem ser bastante energéticos atrás de provas de crime, mas qualquer coisa que desmente a polícia e sustenta a inocência do acusado é descartado porque "não é notícia."
Prova lícita?
O memorando afirma que o parecer de psicólogo/policial é "prova lícita":
Nós limos estes dias as explicação de Dr. Sidney Kiyoshi Shine, psicólogo do Tribunal de Justiça de São Paulo, de que a "verdade" psicológico não é o mesmo tipo de "verdade" procurado pelos tribunais. Até presumindo um psicólogo totalmente isento, ele poder determinar o que alguém acredita, seja se for abusado como criança ou sequestrado por extraterrestres. Mas não poder afirmar se as crenças correspondem a realidade, que não é seu papel. A autora do memorando diz, corretamente, de que técnicas psicológicas são usados para "proferir diagnósticos", mas esquece de tocar na enorme diferença entre um diagnóstico e uma prova de que algo realmente aconteceu.
Técnicos psicológicos, conforme Dr. Sidney, não foram desenvolvidos para produzir provas do tipo que um tribunal exige. E isso se foram usados conforme as padrões da profissão.
No caso dos pareceres ou opiniões pessoais da DCAV, foram feitos conforme as padrões estabelecidos pelo Conselho Federal de Psicologia? É uma boa pergunta, mas a Consultoria Jurídica da Polícia Civil não é instância correta para responder. Seria o Conselho Regional de Psicologia. O que o CRP ache?
A resposta da CRP é que não, os "laudos" do DCAV não são feitos conforme as padrões da profissão. Sairá nas próximas dias no Diário Oficial do Rio a censura pública pelo Conselho Regional de Psicologia de outro policial/psicologo da DCAV. Minhas informações são de que o CRP já abriu pelo menos três sindicâncias contra Emerson Brant, pelo mesmo motivo. Parece provável que haverá condenações.
Há muitos que estão na cadeia porque outros juízes não fizerem a mesma pergunta que a MM. Dra. Ana Célia Montemor Soares Rios Gonçalves: estes "laudos" da DCAV tem validade? Ou se fizerem, não leram a resposta com a mesma atenção que a meritíssima juíza da 11ª Vara.
Estes inocentes deveriam ser soltos, com a mesma eficiência e celeridade com que foram presos.
GOVERNO DE ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Secretaria de Estado de Segurança
Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro
Assessoria Jurídica
PARECER GCMM Nº 042/1204/2008
REF.: E-09/002127/1404/2008
QUESTIONAMENTO
FORMULADO PELO JUÍZO DA
11ª VARA DE FAMÍLIA DA
CAPITAL ACERCA DA
VALIDADE DO SERVIÇO
VOLUNTÁRIO DE PSICOLOGIA
REALIZADO POR POLICIAL
CIVIL, LOTADO NA
DELEGACIA DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE VÍTIMA -
DCAV. OBSERVAÇÕES.
Ilmo. Sr. Assessor Jurídico,
Trata-se de procedimento que teve inicio através de oficio, oriundo do MM. Juízo da 11ª Vara de Família da Comarca da Capital, solicitando esclarecimentos acerca da validade do serviço de psicologia realizado por policial civil, lotado na Delegacia da Criança e do Adolescente - DECAV.
À fl. 03 está o oficio n° 380/2007/OF, da 11ª Vara de Família, solicitando que “... informe se o serviço voluntário de psicologia realizado na DECAVE é considerado perícia oficial desta unidade ou esclareça a finalidade deste serviço. Informe ainda se o policial em questão: EMERSON MOREIRA BRANT, CRP n° 18024, está habilitado por aquele órgão estadual a atuar na função de psicólogo da DPCA ou DECAVE, ou ainda se há alguma vedação legal.".
Depreende-se de fl. 05, informação de lavra do servidor policial Emerson Moreira Brant, no sentido de que "1° O Serviço Voluntário de Psicologia é um trabalho técnico e espontâneo, que tem como objetivo contribuir com o inquérito policial, através da colheita de relatos de violência sofridos por crianças e adolescentes. 2° Que o policial Emerson Moreira Brant, lotado da Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente-DPCA, presta o serviço acima citado, voluntariamente, como psicólogo a Delegacia de Proteção a Criança Vítima DCAV, estando plenamente habilitado pelo Conselho Regional de Psicologia para exercício da profissão."
A n. Delegada Titular da DCAV, Dra. Renata Teixeira de Assis, à fl. 06, esclarece que:
"O atendimento psicológico prestado pelos servidores públicos policiais trata-se de um Serviço Interdisciplinar
Voluntário que foi instituído nesta Especializada quando
de sua criação para se tornar mais breve a análise de
casos, principalmente os que não deixam marcas
físicas, fazendo estes policiais, formados em Psicologia
e possuindo n° de CRP, entrevistas de revelação com as vítimas.
O serviço prestado por estes policiais formados em
Psicologia é voluntário e é formalizado em forma de
parecer, não sendo peça técnica (laudo).
Em relação à proibição deste serviço voluntário, não há
nada que disciplina este atendimento como proibido,
ilegal ou imoral. Acreditando ter prestado as
informações necessárias. ".
Extrai-se de fls. 07/08, elucidante oficio CRP-05 N°381/07, oriundo do Conselho Regional de Psicologia - RJ, informando que Emerson Moreira Brant possui inscrição ativa neste Conselho, sob o n° 18024, bem como que se enquadra entre as funções do psicólogo realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia.
À fl. 10, o n. Assessor-Chefe da ATA/GAB/PCERJ remeteu os autos a este Órgão Consultivo para exame e pronunciamento, momento em que foi encartada cópia de parte da Lei Estadual n° 3.586/2001.
Em síntese, é o relatório.
Em primeiro lugar, insta mencionar que a n. Delegada de Policia Titular da DCAV abordou de forma criteriosa o tema em apreço.
Prosseguindo, teceremos brevíssimos comentários sobre as provas no direito processual penal pátrio, os quais acreditamos que serão proveitosos no enfrentamento do p. questionamento.
Sabemos que. a apuração das infrações penais. em regra, compete à Policia Civil, a qual ao tomar conhecimento da prática de um crime, autorizada pelo artigo 6° do Código de Processo Penal, tem o dever de empreender todas as diligências admissíveis para a apuração da existência da infração, bem como de sua autoria.
Dentro da colheita de provas encontramos a possibilidade de utilizarmos todos os meios admitidos pelo ordenamento jurídico, diretos ou indiretos, utilizados para alcançar a verdade dos fatos, desde que observado os limites constitucionais, previstos no artigo 5°, inciso LVIII, da Constituição da República.
Com relação ao modo de valoração da prova, insta mencionar que a lei adotou o principio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma a sua convicção pela livre apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios valorativos.
Com o escopo de enriquecer a p. análise, pedimos vènia para nos valermos dos ensinamentos do mestre Eugenio Pacelll de Oliveira. esposado em seu “Curso de Processo Penal”. editora Lumen Juris, 8° edição, página 286. a seguir transcrito:
"Por tal sistema, o juiz é livre na formação de seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de valoração prévia da prova, podendo optar livremente por aquela que lhe parecer mais convincente. Um único testemunho, por exemplo, poderá ser levado em consideração pelo juiz, ainda que em sentido contrário a dois ou mais testemunhos, desde que em consonância com outras provas. A liberdade quanto ao convencimento não dispensa, porém, a sua fundamentação, ou a sua explicitação. (...)".
Outrossim. passaremos agora ao ponto nodal dos autos, que consiste em saber se o estudo realizado pelos policiais civis lotados na DECAV, graduados em Psicologia, sobre as crianças vitimas de crimes, possui natureza de prova pericial.
A perícia é o exame de algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, sendo a eles permitido fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal.
Em regra a perícia e elaborada por peritos oficiais, ou seja, por pessoas investidas na função através de lei e não por nomeação judicial.
Não podemos esquecer que o Código de Processo Penal, em seu artigo 159, admite que na ausência de peritos oficiais pessoas idôneas realizem o exame pericial.
Entretanto, esta não é a hipótese ora apresentada, tendo em vista que o estudo psicológico realizado pelos policiais com formação em psicologia, lotados na DCAV, tem natureza de parecer técnico e não de laudo pericial, na medida em que não se reveste dos requisitos elencados no CPP.
Destaque-se que estamos diante de um meio de prova lícito, onde um profissional inscrito no Conselho Regional de Psicologia, no exercício de suas funções de psicólogo, utiliza métodos e técnicas psicológicas com o intuito de proferir diagnósticos, bem como emitir pareceres sobre a matéria. Portanto, tal parecer técnico traduz-se em um meio de prova lícito altamente esclarecedor, o qual pode ser perfeitamente utilizado pelo magistrado no momento da formação de sua livre convicção acerca do caso concreto.
Convém mencionar que o Serviço Voluntário de Psicologia da DCAV é de grande valia nas investigações policiais, poupando a criança de relatar diversas vezes o fato criminoso, na medida em que as suas declarações são colhidas simultaneamente pelo policial, que também e psicólogo. Evita-se, com isso, que a criança seja "revitimizada".
Por fim, há que se destacar que a presente análise, norteada pela perseguição incessante do interesse público em se alcançar uma investigação eficiente, célere e responsável, visa, tão somente, prestar esclarecimentos, bem como ofertar subsídios, ao douto juízo, quanto a validade do parecer técnico elaborado pelo Serviço de Psicologia da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima.
Face ao acima exposto, elevo os autos à Superior Administração para apreciação e adoção das medidas que julgar cabíveis.
É o parecer sub censura.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 2008
(assinado)
GISÉLIA CRISTINA MARTINS MIRANDA
Delegado de Policia
Mat. 871.609-4
C:\ASSEJUR\Gisélia\Pareceres\2008\042 Parecer Técnico Psicológicos DECAV.doc