quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Censura, no bom sentido

Semana passada, houve um pequeno passo justo, que pode se transformar num pulo grande para a Justiça, no Diário Oficial da União:

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA

DA 5ª REGIÃO

AVISO DE CENSURA PÚBLICA

O Conselho Regional de Psicologia - 5ª Região, na forma do que dispõe o parágrafo 2º do Artigo 69 do Código de Processamento Disciplinar - Resolução CFP nº. 006/2007, dando cumprimento a decisão definitiva apurada no Processo Disciplinar Ético nº 024/11, onde figura como representante a Sr.ª Elba da Rocha Machado, vêm CENSURAR PUBLICAMENTE o Psicólogo ARTUR PEREIRA DE OLIVEIRA, inscrição nº. CRP 05/34996, pelo descumprimento do Artigo 1º alínea c; Artigo 2º alínea g; Artigo 9º e Artigo 10º do Código de Ética Profissional do Psicólogo - Resolução CFP nº. 010/2005.

Rio de Janeiro-RJ, 7 de outubro de 2014.

JOSÉ NOVAES

Presidente do Conselho

O nome do psicólogo Artur Pereira de Oliveira já apareceu antes aqui no blog. É um dos psicólogos/policiais da Delegacia de Criança e Adolescente Vítima (DCAV)do Rio de Janeiro. A Censura Pública está disponível também no site do Conselho Regional de Psicologia.

Isso é o homem. O que seria "Artigo 1º alínea c; Artigo 2º alínea g; Artigo 9º e Artigo 10º do Código de Ética"?

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
[...]
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.

Não cumpriu o dever de "prestar serviços psicológicos de qualidade" nem de utilizar "técnicas reconhecidamente fundamentados". Ainda, fez algo vedado, ao "Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica."

Acusação pesada. Acusação, não: condenação.

Em que contexto Artur Pereira de Oliveira violou a ética profissional de psicólogo? Fez na avaliação das supostas "vitimas" de Paulo, companheiro de Elba da Rocha Machado, dona da creche "Gente Inocente", que processou o psicólogo, e depois de mais de quatro anos de esforço, conseguiu sua condenação definitiva e pública.

Artur não é o único culpado

Há também outro psicólogo/policial que agiu no caso de Paulo, Emerson Brandt. Já tratamos do psicólogo Emerson aqui no blog, que já há pelos menos três sindicâncias profissionais contra ele. Ouvi recentemente de que o Conselho de Psicologia deveria chegar num determinação transitado em julgado talvez já em novembro.

Paulo não é única vítima

Poderia haver centenas de homens condenados baseado nestes "documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica emitidos pela DCAV. O número, e a avaliação de que estes documentos são as vezes a única prova que sustenta a condenação, não é especulação minha. É afirmação de um dos ex-colegas de Artur e Emerson. Vou repetir de uma postagem de 21 de maio de 2013:

Vamos continuar com mais um policial-psicólogo do DCAV - Delegacia da Criança e Adolescente Vítima do Rio de Janeiro, Gilberto Fernandes da Silva, que no seu blog refletiu em novembro de 2012 sobre sua carreira no DCAV:

Durante, os quase 10 anos, em que atuei no Serviço Voluntário de Psicologia/DPCA e posteriormente DCAV, entrevistei algo em torno de 900 crianças e adolescentes. Neste período centenas de abusadores foram processados e condenados, com o auxilio dos relatórios produzidos pelo Serviço Voluntário de Psicologia/DCAV. Tal tempo de atuação me deu uma boa experiência sobre o tema: Abuso Sexual Infanto-juvenil e relações.

Em meados de 2011, o Serviço Voluntário de Psicologia da DCAV, foi extinto, com isso o Estado do Rio de Janeiro retrocedeu a década de 90, no que se refere a responsabilização criminal dos abusadores sexuais. Hoje no Rio de Janeiro, não existe um órgão oficial que se responsabilize por entrevistar crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, com isso as chances do abusador ser condenado é quase zero, já que nesse tipo de crime, na maioria esmagadora dos casos, não há testemunhas, nem a presença de vestígios que possam ser identificado e estabelecido, pelos peritos legistas, uma relação de causalidade entre os mesmos e o suspeito.

Gilberto afirma que as entrevistas eram essenciais para conseguir condenações; que em muitos casos não existem outras evidências ou testemunhas; e que "centenas de abusadores foram processados e condenados." É que DCAV foi fechada, e isso representa um retrocesso.

Ética profissional

A censura pública não é a punição mais dura na alcance do Conselho Regional de Psicologia. Mas por ser público, é a punição que mais chance tem de alertar não somente o público mas também os próprios condenados e suas famílias, de que sustentação precária das condenações foi jogado ao chão.

A coragem do Conselho Regional de Psicologia, e ainda do Conselho Federal, e expor as perícias do Artur para o que são, merece aplausos. Há gente, muito gente, presos por estes laudos, que tem o perspectivo agora, finalmente, de liberdade.

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