A semana de lembrança do massacre do Carandiru começou sexta-feira de manha com uma coletiva no Sindicato de Jornalistas. Um dos sobreviventes, Sidney Salles, estava presente numa cadeira de rodas. Respondendo perguntas da platéia, ele contou sobre o dia do massacre, de carregar corpos e pisar em poças de sangue de amigos. Mas na sua fala preparada, um dos horrores que ele escolheu contar ... era ser entrevistado por uma psicóloga.
Parece que para ganhar liberdade condicional, uma psicologa precisava atestar que ele estaria pronto para viver em sociedade. Chegou para a entrevista, e a psicóloga pediu que ele desenhasse um menino jogando bola, uma árvore, e chuva. Sidney então desenhou um menino jogando bola, uma árvore, e chuva.
A psicóloga examinou o desenho. Sidney tinha desenhado o menino jogando bola na chuva. A criança deveria ter sido desenhada debaixo da árvore protegido da chuva, a psicóloga explicou, simbolizando a maneira que sociedade protege as crianças. Sobre Sidney ela decretou que não estaria pronto para reintegração com sociedade, e iria ficar mais um tempo trancado.
Presente sempre nas acusações de abuso sexual de crianças é a figura do psicólogo/psiquiatra que atesta a "materialidade" do crime - de que a criança, realmente, sofreu abuso, e geralmente apontando também a autoria, quem a abusou. Há maneiras para evitar que estes profissionais produzam laudos deste tipo "Tábua Ouija" que manteve Sidney atrás das grades? Existem, sim. Mas não são sempre seguidas. Destacaremos hoje a qualificação profissional e formação, a experiência; e as normas do Conselho Federal de Psicologia. O assunto de independência fica para outra hora.
Qualificação profissional
Já notamos a atuação irregular da falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer, que no caso Colina do Sol assinou laudos como psiquiatra, ainda que não tivesse esta especialização registrada no CREMERS,e nem teria como registrar: não tinha cursado nenhuma faculdade credenciada de psiquiatria.Faz diferença? No laudo de uma das supostas vítimas, Régis, então já com 14 anos, o "laudo" da Dra. Heloisa deu muita importância para sua afirmação de que "veio para fazer uma denúncia" rapidamente corrigido para "depoimento". Ela se apegou neste "erro Freudiano" no estilo psiquiatria-do-boteco-da-esquina. A reação de um dos advogados foi, "É brincadeira??" Regis negou abuso para Dra. Heloisa; negou na Justiça; chegado aos 18 anos e livre da "proteção" do Estado, negou em cartório. Mas quatro inocentes ficaram treze meses presos, devido à "pegadinha" da falsa psiquiatra.
Na caça às bruxas da Catanduva, já descrevemos a atuação do psicólogo:
Na sentença, a dra. Sueli nota que o psicólogo Paulo, que encontrou sinais de abuso sexual em quase todas as 61 crianças de Jardim Alpino que examinou, tem mestrado e está fazendo doutorado. Ela deixa de notar que estes estudos avançados são em educação especial. (http://lattes.cnpq.br/6015371368541783). Ela dedica quatro páginas da sentença à ciência de psicologia, citando “Psicologia: Uma introdução ao estudo de psicologia”, “Vocabulário de Psicanálise”, “Dicionário Técnico de Psicologia”, e três livros editados mais de um século atrás.
Com todo respeito aos conhecimentos de direito da juíza, que podem ser profundos, suas citações de psicologia sugerem um conhecimento superficial da psicologia. E de psicologia, Paulo tem graduação e só. Se psicologia for mesmo uma ciência, nem a Juíza de Direto nem o psicólogo do Fórum são cientistas.
Experiência
A falta de experiência é uma característica recorrente dos "profissionais" nestes casos. Na caça às bruxas de Wenatchee, no estado americano de Washington, o policial Roberto Perez tinha feito um curso de poucas horas sobre abuso sexual, e seus livros do curso, apresentados num processo, mostraram nenhuma marca de leitura - ele os havia folheado, informou. A falsa psiquiatra Heloisa Fischer Meyer tinha feito um telecurso sobre abuso, que terminou no dia anterior às prisões do caso Colina do Sol.
No caso do Tio Ricardo de Vila Velha, eu consegui nomes de algumas das psicólogas envolvidas no caso, e pedi ao Conselho Regional de Psicologia de Espirito Santo se estejam inscritas como psicólogas no Conselho, e desde quando. Deixo claro que não sei o papel de cada uma, mas pelo menos uma das profissionais citadas abaixo, elaborou laudo apontando que as crianças da escola foram abusadas, e que Tio Ricardo era o abusador. As informações que recebi do Conselho são:
Ana Beatriz Fontes Venturim – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2010.
Luciene de F. Lima – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2008;
Lorena Queiroz Merizio Costa – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2006;
Jaquelyne Mazoco Uliana – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2010.
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(Antes que eu receba críticas pela "violação do sigilo", sou jornalista pelo registro no Ministério de Trabalho e pela prática comprovada. Tenho o direito constitucional do sigilo da fonte. Se publico informações verdadeiras, quem não gostar pode pentear macacos.)
Resolução CFP Nº 010/2010
Além da formação e da experiência, psicólogos precisam agir conforme as normas do Conselho Federal de Psicologia. Em 2010 o Conselho editou a "Resolução CFP Nº010/2010", que "Institui a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção."
O que a Resolução estabelece como prática obrigatória nestes casos? Vamos focar no item II.2:
2. O psicólogo, ao realizar o estudo psicológico decorrente da Escuta de Crianças e Adolescentes, deverá necessariamente incluir todas as pessoas envolvidas na situação de violência, identificando as condições psicológicas, suas consequências, possíveis intervenções e encaminhamentos.
2.1 Na impossibilidade de escuta de uma das partes envolvidas, o psicólogo incluirá em seu parecer os motivos do impedimento e suas possíveis implicações.
Obviamente, Tio Ricardo é uma das pessoas mais envolvidas na situação - ele está sete meses na cadeia devido aos pareceres de alguma ou de algumas destas psicólogas.
Elas o entrevistaram, antes de concluir que as crianças foram vítimas de abuso, e que ele foi o abusador?
Das informações que tenho, Tio Ricardo não foi escutado, não.
Igualmente, o professor de educação física Pablo em Mendes, RJ, não foi ouvido pelo psicólogo que fez o laudo que resultou na sua prisão.
"Deverá necessariamente incluir". O que acontece se o psicólogo não cumpre a resolução? Precisa pedir desculpas? Tipo, "Oi cara, desculpe que você ficou sete meses na cadeia e precisava rifar o carro para pagar o advogado, mas eu estava com preguiça de falar com você, a assinei o laudo assim mesmo?"
Não, vai um pouco além disso. A Resolução estabelece:
Art. 3º - Toda e qualquer atividade profissional decorrente de Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes deverá seguir os itens determinados nesta Resolução.
Parágrafo único – A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.
Não ter ouvido Tio Ricardo, não ter ouvido Pablo, não é coisa de "Desculpe, fui mal." É falta ético-disciplinar. Há sanções previstas pelo Código de Ética Profissional.
E há outras sanções. Poderiam ser processados civilmente, para os danos materiais que as vítimas dos seus laudos sofreram, e também pelos danos morais - de ficar meses na prisão, e ter a cidade inteira a ouvir que você come criancinhas, não é pouca coisa!
Sábado foi o sexto aniversário do acidente do Gol 1907. Vale lembrar que os dois pilotos americanos e vários controladores foram processados criminalmente, acusados de "inobservância de regra técnica da profissão". Não sou advogado, mas me parece que a Resolução CFP Nº 010/2010 é uma regra técnica de profissão, e que sua violação poderia resultar em processo criminal.
Vale para os dois lados
Imagino que vou ser criticado por esta postagem. Primeiro, para não ter ouvido as psicólogas. Bem, elas não ouviram Tio Ricardo. Se tiveram alguma defesa a oferecer, estou absolutamente disposto a ceder espaço aqui. Se um dia eu estiver em Vila Velha, e quem sabe conseguir acesso a cópias dos laudos, estaria disposto a entrevistar-las.
No caso da Colina do Sol, eu tenho os laudos da falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer. São fajutos. Eu também tenho cópias dos laudos dos psiquiatras de verdade: baseado em informações falsas, escritos na forma copia-e-cola, errando até a data de nascimento de um dos periciados, também são fajutos.
Não precisamos acreditar cegamente nos laudos que apontaram abuso nas crianças de Vila Velha e de Mendes, só porque estão "sob sigilo de Justiça". As normas do Conselho Federal de Psicologia exigem que todas as pessoas envolvidas sejam entrevistadas. Não foram. Os laudos não seguem as normas, então, e presume-se que sejam inválidos. Examinando na luz da realidade, como no caso Colina do Sol, pode ser que eles se mostrariam, além de inválidos, fajutos.
O segundo motivo que eu serei criticado, é por sugerir que deveria haver consequências para autores de falsas acusações, e para maus profissionais. Para umas pessoas, é um afronto sugerir que as psicólogas podem e devem perder sua profissões. "Tio Ricardo pode ficar sete meses na cadeia, mas como pode penalizar quem o colocou lá? Estavam somente tentando defender as crianças! Isso seria uma injustiça!"
Não, seria justiça. Isso é o temor de quem fez as acusações! Acham que estão acima da lei, acima da Justiça, que quem acusa é intocável, blindado de qualquer consequência! Que os inocentes podem sofrer, mas que os culpados tem que ficar impunes.
O sofrimento de Ricardo, de Pablo e de muitos outros, é resultado direto da falta de consequências para os autores e facilitadores das falsas acusações. Nada apagará o que estes dois professores de educação física estão passando ( o que não quer dizer que uma bolada de dinheiro não ajudaria). A punição dos culpados pelo sofrimento que causaram, contribuirá para que outros inocentes não sofram no futuro.
"Não há tirania mais cruel"
Já citamos vários vezes o livro de Dorothy Rabinowitz, "No Crueler Tyrannies". O título é uma citação de Montesquieu, "Não há tirania mais cruel do que aquela que é perpetrada sob o escudo da lei e em nome da justiça". Cruel também é a psicologia que brinca com a vida de inocentes. Que nega liberdade a um homem trancafiado, avaliando um desenho como se fosse uma tábua Ouija. Ou que aponta um homem como culpado de um crime hediondo, sem nem mesmo antes ouvi-lo como exigido - não apenas sugerido, mas exigido - segundo as regras da sua profissão.
Dos que ouviram Sindey Salles contar sua vida antes e depois da massacre de Carandiru, talvez poucos entenderem porque somente depois de provocado por perguntas, ele contou de carregar 35 cadáveres, ou contou do tiro que o deixou numa cadeira de rodas. Talvez poucos entenderam porque ao em vez disso, ele preferira narrar sua entrevista com uma psicóloga!
Mas quem conhece a história da caça às bruxas de Catanduva, ou o caso Colina do Sol, ou o que estão sofrendo os professores Ricardo em Vila Velha e Pablo em Mendes, sabe que a prepotência e descaso dos psicólogos pode ser um horror tão enorme quanto ao dos fuzis do policias. Estes, ao menos não fingem que estão curando quando atiram.