quarta-feira, 16 de maio de 2012

O laudo misterioso

O caso Colina do Sol já se esticou quatro anos e meio, ilustrando o princípio básico de que justiça atrasada, é justiça negada. A demora é uma punição pesada para os inocentes, e um brinde para os culpados, que gozam de impunidade enquanto o processo se estica. O grande causa de lerdeza no caso Colina do Sol é os "laudos", que aparecem conforme a conveniência da polícia: os laudos negativos do corpo de delito, oito meses depois de prontos; os laudos negativos dos computadores somente quando o CPI do Sendo tinha deixado Rio Grande do Sul, etc.

Um novo laudo apareceu na mesma hora que Dr. Campana entregou seus argumentos finais. É misterioso, o site do TJRS disse que existe, mas não de que ele trata.

Vamos primeiro rever os laudos anteriores.

O penúltimo laudo: a máquina fotográfica de Fritz

A promotora Dra. Natália Cagliari insistiu na "reconstrução da memória" da máquina fotográfica de Fritz Louderback, fazendo pedidos começando em março de 2008, e persistindo, resultado negativo depois resultado negativo, até a juíza negou mais destes pedidos, em junho do ano passado.

Eu escrevi sobre a máquina de Fritz em 23/12/2009, quando calculei:

 
A reconstituição da memória das máquinas fotográficas foi requerido "com urgência", em 10/03/2008. Desde então até hoje passaram 653 dias, ou 1 ano, 9 meses, e 13 dias, durante 10 meses dos quais quatro pessoas continuavam presos, sem que a promotora desiste de pedir perícias na máquina de Fritz.
 

O laudo da máquina estava finalmente pronto em 12/04/2011, mas somente chegou no Fórum de Taquara no dia 10/06/2011, e isso depois de umas cutucadas partindo do advogado de Fritz, e outras partindo daqui mesmo. A juíza formalmente reconheceu o laudo em 16/06/2011 conforme despacho:

R.h. Vista às partes do laudo juntado. Intimem-se as defesas para se manifestarem sobre a intenção de realizarem novos interrogatórios. O silêncio será interpretado como ausência de interesse.

O calculo final é que depois do primeiro pedido "com urgência" até o despacho, demorou 1,193 dias, ou três anos, três meses, e oito dias. Em comparação a presidência de Kennedy foi de 1036 dias, quase seis meses a menos do que demorou esta perícia.

Imagine como ficaria se não for a "urgência"!

E vale lembrar que este laudo, como todos os outros, foi negativo. Não há pornografia infantil.

O laudo misterioso

O caso Colina do Sol está na reta final, na fase dos argumentos finais. A juíza determinou 30 dias para a promotoria, e em seguida 30 dias para cada advogado, começando com Dr. Edgar, advogado de Fritz e Barbara; seguido pelo Dr. Campana, defensor de André e Cleci; e por último Dr. Márcio, que era defensor de Marino, Isaías, e Sirineu, mas perdeu os últimos dois clientes para a Justiça Final, antes que chegou a oportunidade de apresentar suas defesas.

Dr. Campana entregou a defesa de seus clientes no dia 16 de abril, faz 30 dias. Pelo passo normal, o processo já deveria ter sido entregue para Dr. Márcio, e estaríamos por estes dias aguardando a entrega dos seus argumentos finais, e o momento em que finalmente, depois de quase 5 anos, a Justiça teria quer avaliar o processo no base do que foi provado, e não o que foi alegado, sugerido, dito em off para a televisão, etc.

Porém, o processo está 30 dias "em conclusão". Porque? O que está levando mais tempo para a juíza decidir, do que foi preciso para o promotor e dois advogados cada um ler cinco mil páginas, e escrever no mínimo 60?

Apareceu no processo, no dia 16 de abril, mais um "laudo", junto com um "ofício":

Últimas Movimentações:  
   16/04/2012  JUNTADA ALEGAÇÕES FINAIS
   16/04/2012  JUNTADO OFÍCIO
   16/04/2012  JUNTADO LAUDO
   18/04/2012  DOCUMENTO(S) JUNTADO(S) - Laudo pericial
   18/04/2012  CONCLUSÃO AO JUIZ

De que se trata? Bem, um "ofício" não vem dos defensores, nem da Promotoria. É da polícia ou outra órgão oficial. É mais provável da polícia, ou do Instituto de Criminalistica. Fontes me informam (e podem estar errados) de que é um laudo de objeto físico, não outra entrevista com as supostas vítimas sobre qual a promotora poderia ter ainda algum controle.

As possibilidades são:

  1. Laudos psiquiátricas finais com duas assinaturas;
  2. Um laudo final do computador de Fritz Louderback, do qual somente tem um preliminar no processo;
  3. Um laudo do computador de André Herdy, do qual não há no processo laudo nenhum sobre o conteúdo;
  4. Um laudo qualquer do FBI americano sobre objetos de informática.

Irrelevante

Depois das prisões do caso Colina do Sol, a posse de pornografia foi criminalizada. O lado ruim desta lei é evidente, considerando este caso. De fato, as crianças de Morro da Pedra e do orfanato nunca foram usadas na criação de pornografia infantil. Os defensores estão tranquilos pois o que não existe, não poderia "aparecer". Nem poderia ter sido produzido posteriormente, pois as supostas vítimas já cresceram muito.

Porém, quem for preso hoje, estaria vulnerável a evidências plantadas. Já notamos que a única pornografia no caso está nos 24 CDs que não constam nos Autos de Apreensão, que foram levados em mãos para o Fórum de Taquara pela polícia sem passar por perícia. A Justiça de Taquara não permitiu que estes CDs fossem examinados em procura de provas de que foram plantados.

Ainda se a polícia "encontrou" pornografia, seria irrelevante para a Justiça, pois a posse não era crime na época. Os CDs "achados" serviram como "indício", um sinal de que poderia haver algo vedado por lei. Porém, nos argumentos finais, o promotor precisa apresentar provas, e não somente indícios que poderiam crescer com a investigação, chegando em algum ilícito. A investigação terminou. O processo também, menos o argumento final de Dr. Márcio, e a sentença. Não há mais tempo para "crescer", e já passaram cinco verões, sem que os "indícios" cresceram e deram frutas. Chega.

No caso dos laudos psiquiátricas, ainda com as duas assinaturas, não serviriam para basear uma condenação. Os dois importantes são sobre L.A.M. e O Moleque que Mente®, assinados por Dr. Sami el Jundi. Que tinha algo interessantes a dizer sobre casos assim (não poderia comentar estes específicos), como veremos num postagem próxima.

Intempestivo

É hora de introduzir nova prova pericial no caso? Não sou advogado. Porém, no caso Gol 1907, a defesa dos pilotos americanos apresentou, nos argumentos finais, um laudo que tinha demorado de ficar pronta, sobre a tendência do transponder do jato modelo Legacy se desligar sem interferência dos pilotos, e sem dar sinal no cabine que estava fora do ár. O juiz federal Mm. Murilo Mendes escreveu:

Ainda que se quisesse admitir por um raciocínio bem forçado que ele teria característica de prova pericial, também aí não se poderia afastar a conclusão de que a fase de prova pericial já passou. Não faz sentido que, instruído o processo, no curso do qual a defesa teve todas as oportunidades para requerer prova pericial, se ignore que o processo é uma "sucessão de fases", se esqueça tudo o que ficou para trás e, na fase da sentença, permita-se que se instaure novamente procedimento probatório de natureza pericial. Casa coisa no seu tempo é isso que diz o instituto da preclusão. (sentença, Ação Penal 2006.36.03.0002400-5, fls 21-22)

A prova, de grande relevância, era fora da hora, conforme o juiz.

No caso Colina do Sol, a defesa de Fritz tentou examinar os 24 CDs "extras", faz um ano, para fazer atos simples como anotar os números de série das mesmas, e também ver os CDs que são "parte integral do laudo" da IGP/IC. Não conseguiu. Conforme a Justiça de Taquara:

Diversamente, somente agora, quando já transcorrido longo período (como a própria defesa insiste em afirmar), é que o pleito é formulado. Portanto, fora do momento processual adequado e com relação a fatos que não surgiram durante a instrução do feito, indefiro a prova pretendida pela defesa de Frederick.

Um outro laudo, chegando agora, é tarde demais. Sendo que foram negados cinco (05) pedidos pela defesa de examinar as evidências, ou pelo menos ter acesso aos resultados das perícias, seria difícil encarar a aceitação desta lauda, nesta hora, como ato de uma Justiça isenta. Exigiria que, no mínimo, que a promotoria, o Dr. Edgar, e o Dr. Campana recebessem o caso de novo, para comentar.

É muito demora, num processo que já demorou demais. Presumo que os advogados vão se opor com unhas e dentes. Para não refazer seu trabalho, já feito. E para não aceitar mais "provas", ao qual somente a polícia e a promotoria tem acesso, sendo negado às defesas nem o direto de acessar plenamente os laudos que já estão no processo.

A beleza, da ponta de vista da polícia, é que a briga, e a apelação, levam tempo. Trazem mas demora. O caso é uma farsa transparente, e nas 5000 páginas faltam provas para fundamentar uma condenação dos acusados. Nas circunstâncias, o melhor que a polícia e os acusadores podem conseguir é a demora. Pois contra eles, as provas são fartas.

Infelizmente, em outros casos, o TJ-RS tem aceito documentos juntados nesta etapa do processo. Veja:

Número: 70029540754    Inteiro Teor: doc  htmlTribunal: Tribunal de Justiça do RS
Seção: CRIME
Tipo de Processo: Correição Parcial
Órgão Julgador: Sexta Câmara Criminal
Decisão: Acórdão
Relator: Mario Rocha Lopes FilhoComarca de Origem: Comarca de Porto Alegre
Ementa: CORREIÇÃO PARCIAL. DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTOS JUNTADOS COM AS ALEGAÇÕES FINAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO. Conforme o artigo 231 do CPP, as partes podem oferecer documentos em qualquer fase do processo, salvo os casos expressos em lei. Como não há vedação legal da juntada de documentos com as alegações finais, após o encerramento da instrução, o desentranhamento opera em inversão tumultuária de atos e fórmulas legais. Julgaram procedente a correição parcial para assegurar ao Ministério Público o direito de que os documentos juntados permaneçam nos autos. Unânime. (Correição Parcial Nº 70029540754, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 28/05/2009)
Assunto: CORREIÇÃO PARCIAL. DEFERIMENTO. JUNTADA DE DOCUMENTOS ASSEGURADA AO MP.
Referências Legislativas: CPP - 231 - 563 - 566 COJE - 195
Jurisprudência: CP 70012232443
Data de Julgamento: 28/05/2009
Publicação: Diário da Justiça do dia 15/06/2009

Velocidade incompatível

É possível que, ao contrario do pedido da defesa de examinar os CDs "extras", que este laudo fosse resultado de um perícia já pedido e aprovado faz muito tempo. Neste caso, é de suma importância quanto tempo o laudo foi segurado pela polícia, depois que pronto.

Nos já observamos aqui a velocidade incompatível do trânsito dos laudos. O que favorece a acusação chega no inquérito ou processo na mesma dia; o que favorece a defesa demora até oito meses, ou mais. O atraso com que este laudo chegou, pela experiência neste caso, favorece a acusação. Se o laudo realmente trouxe provas, teria sido fornecido faz tempo. Traz, então, somente a demora.

Férias

A Mma. Dra. Ângela Martini, juíza da segunda vara de Taquara, está em férias. Tirou férias na mesma época ano passado. Uma decisão deste tipo - admitir ou desentranhar o laudo, ou mandar o caso em frente para Dr. Márcio, ou de volta para o Promotoria, pode ser tomado por um juiz substituto. Descascar o abacaxi mesmo, fazer a sentença, deveria ficar nas mãos dela. Porque quem mais queria pegar numa coisa destas?

Aguardaremos uma decisão. Triste, quando os acusados esperavam já estar aguardando uma sentença, depois de quatro anos e meio desta bobagem, treze meses dos quais passaram atrás das grades, enquanto a polícia seguravam laudos que comprovavam sua inocência. O caso começou assim, e assim termina.

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