"Uma tecnicalidade" é outra frase predileta da mídia e da polícia brasileira, para explicar porque alguém acusado com todas os recursos da publicidade moderna, "escapou", sendo solto e inocentado.
"Tecnicalidades" não existem para facilitar trambiques de advogados para inocentar clientes culpados. Existem para dificultar trambiques de policiais para condenar inocentes. O caso Colina do Sol é um excelente exemplo de porque existe "tecnicalidades", e como elas evitam injustiças.
A apreensão nas casas de Fritz Louderback e Dr. André Herdy mostrar muito bem o que acontece quando as regras não são respeitadas. É óbvio que deve haver como saber o que foi apreendido, e onde foi apreendido. Mas, como veremos, neste caso não tem.
Testemunhas
Quando a polícia faz uma apreensão, é necessário uma lista pormenorizada de tudo o quanto foi apreendido, com a assinatura dos detidos, e de duas testemunhas presenciais. Na casa de André, houve somente uma testemunha, Vanderlei José Brizola, o vizinho mais próximo. Interrogado sobre a apreensão, ele disse nas fls 3233:
D: CD, foto, não lhe mostraram outra coisa?
T: Não, não me mostraram nada, e também não me mostraram a relação de nada que estavam pegando. ...
T: Eu só vi o computador, eles levaram embaixo do braço o computador no carro."
A testemunha disse três vezes que nada viu além do computador, que duas vezes especifica foi levado "em baixo do braço."
Já listamos as duas autos de apreensão. Lista muito apreendido na casa de Dr. André, inclusive "Banco Imobiliária": mas não lista nenhum computador. Há no site da Secretaria de Segurança Pública uma foto que mostra "Material recolhido pela Polícia" mas nunca colocaram esta foto nos autos, e muito do que aqui foi mostrada para a imprensa como evidência do caso, nem sequer foi citado no relatório da polícia ou nas manifestações da promotoria:
Certidão
A polícia "remendou" a falha, com "certidões". Não logo uma "certidão" dizendo que apreendeu um computador. Não, a existência do computador de André somente foi formalmente notificada à juíza em 10 de julho de 2008, na fls 3716 do processo, quando os réus já estavam sete meses preso. Ainda, a "certidão" fala de dois computadores. E fizerem outra certidão, em 04 de setembro de 2008 nas fls. 3826, informando de novo dos mesmos dois computadores.
Venus sem braços |
Já documentamos em vários ocasiões a distância entre a verdade e as mentiras do delegado Juliano Brasil Ferreira. Acompanhamos o dia ocupado de Sylvio Edmundo. Vimos que há bons motivos que a polícia tem que seguir as regras, obedecer as "tecnicalidades", e não se fingir de "João sem braços" e apresentar o que dizem seriam as provas contra alguém, depois que já passaram sete meses na cadeia.
Confusão
Na foto grande acima, vimos coisas vindas da casa de Fritz, tanto quanto coisas apreendidas na casa de André. Porquê foram assim misturadas? A foto não foi para a Justiça, em momento nenhum. Foi somente disponibilizada para a imprensa.
Dr. André afirmou para mim, que no dia das prisões, ele viu coisas da casa dele, sendo levado em caixas já cheias de coisas da casa de Fritz, sem separação nenhuma entre uma e outra.
E enquanto o Auto de Apreensão afirma que não houve CD nenhuma apreendida na casa de Fritz, nas fls 654-655 há o oficio 1049/2008, que envia à juíza, 3 mídias supostamente provindas da casa dele.
Que baita confusão, né?
Evidência mesmo não foi encontrada
No caso Colina do Sol, as "tecnicalidades" não teriam importância legal. Pois ainda assim, nada foi encontrada nem computadores, nem nos vídeos, nem nos CDs que serviria como prova de crime. Se fosse diferente, seria importante ter como comprovar em qual casa foi encontrada, e também ter como comprovar que foi mesmo encontrado com os réus. A confusão elementar nas apreensões, apesar da enorme quantidade de policiais envolvidos (que parece estavam lá para aparecer no TV, e não para trabalhar) teria invalidada as provas, se provas tivessem.
Ainda assim, a confusão atrapalhou bastante a defesa. Levou dias para determinar quantos computadores foram apreendidos, baseado nos relatos confusos da imprensa onde o número não parava de crescer - achei que estavam dando cria em cativeiro. O número de CDs periciados e pronunciados limpos pelo IGP/IC era aproximadamente igual ao número nos Autos de Apreensão. Somente quando o advogado de Fritz, Dr. Edgar, verificou os CDs no cartório da 2ª Vara de Taquara em maio de 2011, ficou claro que havia 24 CDs a mais, e que os CDs que a polícia levou diretamente para o cartório, eram de natureza bem diferente daqueles entregues a perícia.
Na época, a posse de pornografia de qualquer tipo não era crime, somente sua fabricação ou distribuição. Os CDs, ainda se fossem autênticas e não plantadas, não serviriam para fundamentar um veredito.
Mas para prejudicar os réus nos olhos da Justiça, e da imprensa, serviam muito bem. Deram peso às acusações, quer eram de uma fragilidade incrível.
O papel da polícia é investigar
A papel da polícia e de investigar, e entregar provas à Justiça.
Não é de encenar prisões para a imprensa, nem para espalhar para os quatro ventos acusações contra pessoas às quem a Constituição garante a presunção de inocência. Não é substituir uma falta de provas com barulho e bagunça, muito menos de inventar provas para tapar o buraco entre o que foi acusado, e o que foi evidenciado.
Apesar das explicações-padrão da policia e da imprensa sensacionalista, exigir que as "tecnicalidades" sejam respeitadas não atrapalha o "longo braço da lei". Atrapalha as pernas curtas da mentira. As ilegalidades grosseiras do caso Colina do Sol mostram porque a polícia - e a promotoria, e a Justiça - precisam, também, agir dento da lei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário