Vamos ver hoje uns dos argumentos do Dr. João sobre o corpo de delito. O termo corpo de delito não quer dizer "corpo" no sentido de "cadáver": significa o corpo de evidência, a prova de que um crime realmente aconteceu. No caso dos irmãos Naves, seria o corpo do suposto defunto, ou também seria o dinheiro que sumiu junto com ele, os 90 contos de réis.
A acusação não basta afirmar a existência de indícios veementes. É necessário prová-los. E, 'prova, é a soma dos meios produtores da certeza' (Mittermaier J. Monteiro); 'é a demonstração dos fatos alegados em juízo (Moreira, Planiol, Glasson)' (In Whitaker - O Juri, pág 150)."
E, mais adiante, "A prova da acusação deve ser completa, plena e judicial; do contrário, o réu será absolvido porque a seu favor se presume a inocência (P. Batista, Ribas, Garraud, V. de Castro)' (In Ob. Cit., Pág. 152).
Elemento essencial, a constatação do roubo, pelo desaparecimento do objeto (dinheiro), de que modo, quando e onde foi constatado em todo o processo? Nem a violência praticada pela polícia conseguiu descobrir-lo, porque os RR são inocentes.
Dir-se-ia: há indícios. Mas não são verdadeiros, são criação da polícia, que os forjou. Eles aparecem (admitimos, para argumentar apenas a sua existência) originários da confissão arrancada aos RR, de uma falsa confissão. 'Indício é o fato certo, de existência incontestável' (Whitaker). Qual o fato certo relacionado? Nenhum.
O juiz substituto de Araguari mandou os autos para o juiz de Uberlândia, Dr. Arnaldo Moura, para aceitar ou não a denúncia. O dr. Arnaldo despachou, "Converto o julgamento em diligência para proceder-se ao corpo de delito, direto ou indireto. O exame de corpo de delito, nos crimes que deixam vestígio, é termo essencial do processo."
O caso dos irmãos Naves é famoso porque o aparecimento posterior do "morto" andando e falando não deixou dúvida de que ele não foi assassinado. Porque faltou o corpo de delito, a prova de que o crime aconteceu? Faltou porque o crime não aconteceu mesmo. Porque é essencial? Para evitar casos como o dos irmãos Naves, e evitar casos como os que analisamos neste blog.
Provas diretas e indiretas
O juiz de Uberlândia pediu o corpo de delito "direto ou indireto". Evidências diretas seriam o corpo o suposto falecido, ou o dinheiro dele roubado; indireta seria testemunhas que observaram um ou outro.No caso Colina do Sol, na caça às bruxas de Catanduva, no caso do Tio Ricardo de Vila Velha, no caso do professor Pablo de Mendes, no caso da escolinha Gente Inocente do Rio de Janeiro, a suposta crime é abuso sexual. A prova direta de abuso seria laudo de exame médica.
Quando uma vítima de estupro é levado imediatamente para o IML, um exame pode não somente constar ato sexual, mas as vezes também pode colher DNA que permite comprovar a identidade do estuprador - ou inocentar um suspeito. Claro que casos de acusação falsa, quando o relacionamento foi consentido. Também existe homicídio em autodefesa. Pelo menos temos um começo para um investigação criminal. Nos casos listados acima estamos falando de crianças, e "consentimento" não entra. Comprovando relacionamento sexual, teríamos a prova do crime, um ponto de partido para procurar o criminoso.
Mas não há, em nenhuma destes casos listados, um laudo de corpo de delito que comprove inequivocamente, que houve relação sexual. Uma entrevista é o começo, o fim, o todo da evidência de crime e prova de autoria. Como no caso dos irmãos Naves, as provas eram, unicamente, as "confissões" arrancados sob tortura.
No caso de Catanduva, os laudos comprovaram a virgindade das meninas que se dizerem estupradas. A prova direta venceu a prova indireta: ninguém foi condenado pelo "estupro" que não houve. No caso Colina do Sol, houve um laudo positivo em que a vítima negava, procurou médico particular especializado (proctólogo) que deu laudo negativo, e quando conversei com o legalista que fez o primeiro laudo, ele não poderia comentar o caso específico, mas disse que casos semelhantes, haveria outras explicações.
E a palavra da vítima?
Já comentamos aqui faz mas de três anos o valor especial da palavra da vítima nestes casos, e também seus limites. A palavra precisa estar "em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos". A história da Catanduva, como a de Tio Ricardo, eram simplesmente fantásticas. Se William tivesse levado 61 crianças na garupa do moto ao meio-dia, durante meses, numa cidade pequena, alguém teria visto. Se Ricardo estivesse se vestindo de calcinha e sutiã dento de um colégio movimentado, alguém teria visto.
Vale notar que no caso Colina do Sol, a palavra das vítimas foi "não", e então polícia e promotora decidiram que então não tinha valor. Usaram uma intermediário para retorcer as palavras das supostas vítimas.
Psicólogo, intermediário da verdade
Característica nestes casos é o uso de psicólogos para produzir o resultado que a acusação quiser ouvir. No caso Colina do Sol, a falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer assinou laudos afirmando que menores foram abusados - apesar de que eles, com 11 à 16 anos, negaram qualquer abuso. Uma criança afirmou abuso de maneira inconsistente e com mentiras comprovadas. A defesa queria ter um outro psicólogo na sala, e o da acusação não permitia. Interessante que na DCAV do Rio de Janeiro, no caso do creche Gente Inocente, até permitiram advogado de acusação na sala!
Visitei em novembro o Instituto Criminalistica da Polícia Federal. É independente, um delegado de um caso não pode pedir os resultados que sustentam a conclusão que ao que já chegou. O IGP/IC do Rio Grande do Sul é também independente em teoria, e na prática resistiu às pressões que nem a Corregedoria aguentou. Mas no DCAV, os "psicólogos voluntários" são subordinados ao delegado do DCAV! O chefe prende um sujeito na televisão, e o subordinado vai dizer "ora, entrevistei a criança, e negou abuso"? Conversa mais, ora bolas, com umas horas de conversa, uma criança pequena fala o que o entrevistador quer ouvir.
Não tive acesso aos autos do caso do Tio Ricardo, mas ouvi que três das supostas vítimas foram ouvidas na versão local da programa "Depoimento sem Dano", e seus depoimentos ajudaram a defesa. Então? Interromperam os depoimentos das "vitimas" na programa "Depoimento sem Dano"! Há um boato de que uma das mães levou seu filho a cinco (05) psicólogas até ouvir o resultado que queria. Uma opção que a defesa não tem.
Notamos que no caso do Tio Ricardo, a psicóloga Ana Beatriz Fontes Venturim estava inscrita no Conselho Regional de Psicologia somente desde 2010, então tinha de um a dois anos de experiência quando "constatou abuso". A não seguiu a norma da CFP que exige que o suposto abusador seja ouvido. Uma das acusações foi baseado somente numa única entrevista de 40 minutos. O psicólogo em Catanduva, que encontrou 61(!) crianças abusadas, tinha graduação em psicologia, e depois se especializou em ... educação especial. Houve psiquiatras de verdade no caso Colina do Sol, mas foram alimentados com dados falsos, e ainda assim somente concluíram de que "Não é possível, neste exame, determinar a ocorrência de abuso sexua1 ou ato libidinoso". Mas a acusação foi em frente somente com esta "prova".
Voltando ao corpo de delito
Demos uma volta por estes casos, e voltamos ao corpo de delito. O caso dos irmãos Naves ilustra porque o corpo de delito é essencial. O corpo de Benedito Caetano poderia depois de autópsia, ter comprovado o assassinato ou até o morte natural. A descoberta dos 90 contos de reis teria comprovado o roubo. Na falta do corpo de delito, houve uma grande injustiça.Um atestado psicológica não dá o mesmo grau de certeza de que houve um crime, quanto um cadáver no necrotério perfurado com bala. Um exame médico constatando vestígios de atos libidinosos comprove o crime, e poderia levar ao autor.
Mas a entrevista com uma criança, feita por um psicólogo inexperiente, sem qualificações, sem independência, ou que não segue as normas do Conselho Federal, dá a mesma grau de certeza de que uma confissão arrancada sob tortura. Não é um ponto de partido para a Justiça, mas para a injustiça.
Segue umas anotações sobre o livro "O Caso dos Irmãos Naves".
90 contos de reis
Quanto é, em dinheiro de hoje, os 90 contos de reis que sumiram com o morto-vivo Benedito Caetano? Dr. João Alamy Filho fornece o câmbio de dólar: os 90 contos davam uns US&6.500 em 1937, que seria US$106 mil hoje, conforme este calculador online, equivalente a R$218 mil. Os 90 contos era o que Benedito recebeu vendendo 2047 sacos de arroz (fls 29). Arroz fechou em volta de R$36 o saco dia 21/12/12; 2047 sacos é R$73.728 mil. Benedito comprou um caminhão Ford V-8 em sociedade com seu "assassino" Joaquim, por 16 contos de réis: os 90 contos valia 5,65 Ford. O preço hoje do caminhonete Ford que mais vende é por baixo US$24 mil (o preço brasileira é em grande parte imposto), 5,65 Ford seria US$132.750, ou R$273.465.
O avião fatal
Dr. João Alamy Filho conta (fls 350-351) que
Corre como verdade, merecendo credibilidade pela sua origem, a notícia de que ao ser interrogado pelo capitão delegado de polícia, Jorginho Jorge de Souza, se sabia da prisão e condenação dos irmãos Naves, acusados da sua morte, Benedito teria jurado pela vida dos seus filhos que somente viera a saber do fato no momento da sua prisão. Logo depois, deu-se o desastre aviatório, em que morreram sua mulher e filhos.
Sendo que acidentes aéreas são um dos assuntos ocasionais aqui, procurei o acidente. O Douglas CD-3 PP-ANH da Transporte Aérea Nacional caiu perto de Palmeiras de Goiás, GO, no 12 de agosto de 1952, matando todos os 21 abordo, inclusive um filho do governador de Goiás. Decolou de Rio Verde, Goias, município vizinho de Jataí onde morava Benedito e sua família.
A próxima acidente aérea brasileira com vítimas era no 14 de outubro de 1952, quando outro Douglas DC-3, PP-AXJ da Aerovias Brasil, caiu em S.Francisco de Paula, RS, município vizinho de Taquara, com 14 mortos.