Induvidoso que nos crimes sexuais, a palavra da vítima, quando em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime. Precedente (STF - 2ª Turma, HC 79.850-1, rel. Min. Maurício Corrêa).
Em crimes sexuais, praticados na clandestinidade, não há por que pôr em dúvida a palavra da vítima, se coerente e nada indicado que movida por propósito escuso, ainda mais quando contrariada apenas pelo relato do próprio acusado. (TJ-RS, 7ª Câmera Criminal, Nº 70020179594, rel. Des. Marcelo Bandeira Pereira.
Nestas duas citações, vimos a motivação do "valor especial", que estes crimes são "praticados na clandestinidade", e a ressalva, a necessidade de ser "coerente" e "em harmonia com os demais elementos de certeza".
Vamos relembra, também, a analogia do promotor Nadilson Portilho Gomes que explica porque valor especial dever ser dado à palavra da vítima de tortura:
Semelhantemente aos crimes sexuais, os delitos de tortura ocorrem às escondidas, em lugares ermos, longe de testemunhas, onde os seus autores, na maior parte das vezes, valem-se das condições indefesas das vítimas para perpetrarem suas maldades.
A palavra da vítima tem valor especial, quando é a única prova possível.
Fotografias
O caso Colina do Sol sugere outra atividade que acontece "às escondidas, em lugares ermos, longe de testemunhas": o naturismo. Tirar foto em área naturista é considerado uma violação grosseira de etiqueta, pois com uma foto, a atividade praticada na intimidade entre poucos que pensam do mesmo modo, de repente está exposto aos olhos do mundo.
Tirar uma fotografia é criar um artefato, uma coisa física, uma prova que pode correr o mundo. Ao contrário de um ato passageiro, escondido, que não deixa vestígios, fazer uma fotografia é, pela própria natureza, criar um vestígio duradouro.
Quando uma vítima disse que foi abusada, sua palavra pode ser a única prova possível. Mas quando fala que foi fotografada, há uma outra prova possível, ou até exigível: a fotografia.
Materialidade
Materialidade é a comprovação de que houve um crime. Num assassinato, o corpo comprove o crime. O exame de corpo de delito, pode comprovar que houve assalto sexual. E para comprovar que uma fotografia foi feita, a própria fotografia pode ser apresentada no processo.
Estas são chamadas de "provas diretas". Mas são aceitáveis também, "provas indiretas". O corpo não é indispensável. No caso do vôo 447 da Air France, onde todos os corpos não foram encontrados, comprovar que alguém embarcou, é suficiente para comprovar que morreu.
Outro exemplo, é que fui fisicamente agredido por um conselheiro tutelar em frente ao Fórum de Taquara, quando os jovens de Morro da Pedra fizerem uma manifestação à favor dos acusados. A cotovelada não foi suficiente para deixar nem uma marca temporário. Mas, a palavra de testemunhas - e houve muitas - poderia ter servido como prova indireta. A agressão foi filmado por um canal de TV, e foi ao ar, e o filme parou no site do Ministério Publico do Rio Grande do Sul. Também serve como prova, ainda que não lembro se filme seria prova direta ou indireta da materialidade.
Agora, a materialidade comprove simplesmente que o crime aconteceu. Tendo o cadáver não comprove o assassino; tendo a marca do cotovelada, não comprove o agressor. Isso é a autoria do crime, outro elemento essencial para uma condenação.
Os limites da palavra da vítima
A palavra da vítima, se for coerente e harmoniosa, pode servir como comprovar a materialidade do abuso sexual. Mas serve para comprovar a existência de fotografias?
Consultei advogado sobre isso, e ele disse o que eu imaginava: não. Vigiam as regras normais. A própria fotografia seria a prova direta da sua existência. Testemunhas idôneas que avistaram a fotografia, serviram como prova indireta.
"Gravado em CD"
Vamos reler parte do depoimento d'O Moleque que Mente® em juízo, especificamente uma pergunta da promotora:
"Então, estava no Orkut, no computador, e gravado em CD."
O que a Dra. Natália Cagliari pretendia com esta pergunta? Sua denúncia afirma que os acusados "... passavam a fotografá-lo ... Posteriormente, passaram a armazenar tais imagens em CDs ..."
Ouvi de alguém, que a digníssima promotora afirmou que ela tenha provas muito fortes no caso. Será que ela imagina que a "palavra da vítima" é uma vara de condão, que transforma numa verdade irrefutável, qualquer afirmação que a vítima enuncia?
Eu tenho mais de vinte e cinco anos de experiência profissional em informática. Se alguém me mostrasse fotos numa tela, eu talvez notaria, pela velocidade com que aparecem, se houvesse barulho de disco virando, se estivessem sendo lidos de um CD ou do disco rígido. Talvez, e ainda assim, poderia me enganar. É algo que varia com a marca do micro. Lembrar depois de quatro meses? Duvido. Agora, se as fotos estavam no Orkut estariam nos servidores de Google, e poderia ter sido verificado com eles.
O que o Moleque® entende de informática? Temos uma resposta dele:
A acusação tem outras possibilidades para comprovar a existências das fotos nos computadores, nas máquinas fotográficas, nos CD, ou no Orkut. Pode pedir perícia, e pediu, repetidamente. Os laudos voltaram, dizendo que não havia pornografia infantil, que não tinha nada de interesse para o caso.
No direto criminal, a dúvida favorece o réu. Aqui não estamos lidando com a dúvida, mas com a certeza, ao ponto que a investigação permite, de que tais fotos não existem, e nunca existiram.
Coerente e em harmonia?
A palavra da vítima perde então seu valor especial quando afirma algo que poderia ser comprovado, e comprovado com mais certeza, por outros meios. Quando afirma algo cujo conhecimento não é limitado ao quem estava lá, naquele momento.
E a palavra da vítima pode servir, quando for "coerente" e "em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos". Mas nas fotos supostamente tiradas na casa de Fritz, não é nem um nem outro.
Apontamos a falta de coerência, de consistência interna, em nosso postagem anterior. O Moleque afirmou numa hora, que André o levou sozinho para a casa de Fritz, num outro, afirmou que "os três" foram. A diferença não é irrelevante, pois afirmou que foi fotografado entre André e Cleci.
Também, não é "em harmonia com os demais elementos". Afirmou que a máquina fotográfica de Fritz é grande, já mostramos que é o tamanho de um pacote de cigarros. O advogado de Fritz perguntava se o cozinha de Fritz fica ao lado da sala, e o Moleque respondeu que "sim"; na realidade, fica no andar de baixo. Descreveu a máquina fotográfica sendo num tripé; Fritz tem um tripê, que o policial que questionou o Moleque® teria visto, mas sustenta um telescópio. Descreveu a piscina do Fritz como "pequena, e ficava atrás"; na realidade não fica em lugar nenhuma, não existe.
Serve como prova de abuso?
A palavra d'O Moleque que Mente poderia servir como prova quando ele afirma que ele mesmo foi abusado. Poderia servir também, se afirmar que os bebês foram abusados - afinal, estes não podem falar por conta própria, o que a juíza reconheceu já em 10/03/2008, quando despachou que "Indefiro a 'oitiva' [dos gêmeos] e [Noruega] em face da tenra idade das crianças."
Poderia servir, se for "coerente" e "em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos". Mas, que nem quando fala de fotografias, não é nem um nem outro. Como vamos ver na próxima.