Sentença de hoje, aqui.
COMARCA DE TAQUARA – 2ª VARA JUDICIAL Nº de ordem:
Processo nº 1.05.0004608-0
Natureza: Ação de reparação por danos morais
Autor: Clube Naturista Colina do Sol
Réus: TVSBT Canal 5 de Porto Alegre Ltda. e TVSBT Canal 4 de São Paulo Ltda.
Juíza prolatora: Angela Martini
Data: 08 de outubro de 2009.
I. Vistos etc.
Clube Naturista Colina do Sol, qualificado nos autos, ajuizou ação de reparação de danos morais contra TVSBT Canal 5 Porto Alegre Ltda. e TVSBT Canal 4 São Paulo Ltda., também qualificados.
Narrou que, no ano de 1999, despertou o interesse do SBT que buscava apresentar uma reportagem sobre a filosofia de vida da comunidade naturista. Nesse intento, a empresa localizou alguns associados que concederam autorização para veicular imagens exclusivas no programa SBT Repórter. Observou que não foi questionado acerca da veiculação de imagens de sua sede.
Reeditou que os associados permitiram a divulgação de imagens nas suas dependências com algumas ressalvas, dentre elas a de que serviriam de uso exclusivo para o precitado programa SBT Repórter, afastando a possibilidade de serem exibidas em outras plataformas, notadamente no designado Programa do Ratinho.
Esclareceu que o SBT Repórter veiculou a matéria em duas partes: a primeira no dia 30 de julho de 1999 e a segunda no dia 07 de agosto de 1999. Disse que, não obstante os termos do ajuste, foram mostradas imagens e chamadas, no dia 30 de julho de 1999, no Programa do Ratinho; outrossim, no dia 07 de agosto do mesmo ano, o mesmo programa veiculou as imagens cedidas ao SBT Repórter, para chamar a atenção para o que seria a seguir transmitido.
Relatou que, no dia 08 de agosto de 1999, o Programa do Ratinho exibiu as cenas gravadas nas suas dependências de maneira ampla e apimentada, em desrespeito ao aludido acordo, lembrando que a autorização dos associados não implicava autorização do clube.
Elencou as falas do apresentador Carlos Massa, que reputou ofensivas e preconceituosas nos dias 07 e 08 de julho de 1999. Sustentou que os comentários levados a termo acerca da opção de vida da comunidade lesaram e desprestigiaram a boa imagem que sempre visou a preservar. Por outro lado, ressaltou que a empresa televisiva somente almejou majorar lucros, já que extrapolou os limites do jornalismo.
Invocou a Constituição Federal, a Lei da Imprensa e o Código Civil para amparar a pretensão de se ver ressarcido pelo prejuízo moral experimentado em razão da conduta dos réus. Enfatizou que a reparação deve atender ao caráter de ressarcimento, sem olvidar que tem por função prevenir e punir condutas ilícitas. Discorreu acerca das variáveis que devem ser levadas em conta para ser fixado o quantum indenizatório.
Assentado nas razões alinhadas, pediu o julgamento de procedência da pretensão, para condenar os réus, de forma solidária, a indenizar-lhe pelos danos morais sofridos, em valor estimativo equivalente ao décuplo do valor pago pelos espaços comerciais exibidos no Programa do Ratinho, a ser apurado em liquidação de sentença. Juntou documentos.
Citados, os réus contestaram. Sustentaram que o caso sob comento deve ser regido pela Lei de Imprensa e não por dispositivos do Código Civil ou direito comum, já que lei especial derroga a geral.
Em ordem preliminar arguiram (a) decadência do direito, com fundamento no que dispõe o artigo 56 da Lei 5.250/67; (b) falta de pressuposto válido de constituição e andamento do processo, por não ter sido atendido o rito processual ditado pela lei precitada, notadamente porque ausente a prévia notificação de que trata o artigo 57.
No mérito, aduziram que o incidente foi culposo, já que houve engano no tráfego de fitas. Afirmaram, ademais, que a autorização escrita não é obrigatória e que se mostra impossível desvincular os associados do clube, na medida em que se revela inviável filmar pessoas sem o fazer com relação ao ambiente. Lembraram que um preposto da parte autora indicava, durante as filmagens, quem poderia delas ser objeto. Diante disso, concluíram que a ação trata de descumprimento de previsão contratual, em virtude do que o juiz não pode criar multas ou aumentar as já existentes. Observaram que, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, quebra contratual não enseja dano moral, mas perdas e danos materiais.
Obtemperaram que pessoas jurídicas não estão sujeitas a dano moral puro, diante do que se faz necessária a prova da existência de dano material. Verberaram que o autor não está estigmatizado, já que, de acordo com reportagem publicada na Revista VIP, edição de junho de 2006, denota-se a sua higidez financeira.
Ante os motivos declinados, pediram que fossem acolhidas as preliminares, de sorte a extinguir a ação sem resolução de mérito; subsidiariamente, rogaram pelo julgamento de improcedência da pretensão. Acostaram documentos.
A parte autora replicou.
Designada audiência na forma do artigo 331 do Código de Processo Civil, sobrou sem êxito a tentativa de conciliação.
Durante a instrução foi tomado o depoimento pessoal da preposta da parte ré e ouvidas três testemunhas. Os debates foram substituídos por memoriais, oportunidade em cada parte reiterou anteriores manifestações e pedidos.
Vieram os autos conclusos para sentença.
II. É o relatório. Passo a fundamentar.
01. Das preliminares:
1.1 Em ordem preliminar, invoca a parte ré a decadência do direito, com fundamento no que dispõe o artigo 56 da Lei 5.250/67, cuja redação está assim vertida:
Art. 56. A ação para haver indenização por dano moral poderá ser exercida separadamente da ação para haver reparação do dano material, e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa.
A jurisprudência, de forma insistente até, vinha repetindo que o prazo decadencial acima não havia sido recepcionado pela ordem constitucional. A questão, nesses dias, está resolvida, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária da liminar, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1307, Relator o Ministro Carlos Ayres Brito, referendou a liminar deferida pelo relator, para o efeito de suspender a vigência da expressão e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa, que consta da parte final do precitado artigo de lei.
Logo, afasto a prefacial invocada.
1.2 Em seguimento, arrazoam os réus que falta pressuposto válido de constituição e desenvolvimento do processo, por não ter sido atendido o rito processual ditado pela Lei de Imprensa, notadamente porque ausente a prévia notificação de que trata o caput do artigo 57, cujo teor segue transcrito.
Art. 57. A petição inicial da ação para haver reparação de dano moral deverá ser instruída com o exemplar do jornal ou periódico que tiver publicado o escrito ou notícia, ou com a notificação feita, nos termos do art. 53, § 3º, à empresa de radiodifusão, e deverá desde logo indicar as provas e as diligências que o autor julgar necessárias, arrolar testemunhas e ser acompanhada da prova documental em que se fundar o pedido.
Também nesse caso, há farta jurisprudência assentando que a notificação prévia não é pressuposto de constituição regular da demanda que visa a alcançar reparação por danos morais.
A providência de que trata a lei foi criada no intuito de resguardar o direito de todo e qualquer cidadão de buscar em juízo a defesa de seus direitos quando lesionado por atos praticados por aqueles amparados pela Lei de Imprensa. Logo, trata-se de mera faculdade do autor da ação, a quem incumbe o ônus probatório dos fatos constitutivos do seu direito, na forma do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ademais, há de se ver, no caso em apreço, que o autor juntou aos autos cópia de CD onde consta a programação que teria veiculado imagens e expressões geradoras do abalo cuja reparação está intentando.
Outra vez, pois, rejeito a preliminar arguida.
02. Do mérito:
Ratinho: Hoje tem o SBT Repórter, (...) está sensacional, presta atenção. Olha lá o povo pelado, continua a história dos peladões, olha lá a história dos peladões aí, olha a praia tudo de gente pelada. (...). Engraçado, porque eles tapam o do homem e da mulher não tampa, mostra tudo então, tem escola, supermercado, nego vai ao supermercado comprar as coisas pelado, oi como vai, "Ploc Ploc", né, é beleza, o cara vai no supermercado, já penso o buffet, no buffet eles comprando comida (...), oi senhor cidadão tira o pinto da maionese que eu vou me servir.
Música: Uh, Uh, peladão. Uh, Uh, peladão.
(...)
Ratinho: Daqui a pouco eu vou mostrar nesse programa, alguns trechos da reportagem do SBT Repórter que mostrou a cidade dos peladões e vou pedir a opinião do povo do Brasil certo, olha daqui a pouco eu vou mostrar os peladões, aí se você não quiser deixar teu filho ver gente pelada, você muda de canal, porque daqui a pouco eu vou soltar os peladões, está, também não tem nada demais aí, de ver gente pelada aí, que tem, peladinha.
(...)
Ratinho: Eles tampam só a frente dos homens né, as mulheres deixa livre, eu não admito que faça isso. O e-mail que me chegou agora, veio curiosidade sobre o naturismo, (...), ele mandou perguntar o seguinte: (...) "Como que as mulheres fazem nos dias de menstruação?".
Platéia: Ahhhhhh...
Ratinho: É a pergunta que ele está fazendo, homem não tem menstruação, mas quando dá diarréia também hein (Risos).
Ratinho: Quando a gente, as pessoas, quando nós estamos namorando em algum lugar, quando alguém está namorando em algum lugar aconchegante ou não, normalmente na hora do namoro ficamos excitados e esse excitação, Xaropinho.
Xaropinho: Subiu.
Ratinho: Então desça.
Xaropinho: Jogou um balde de água fria, vou embora.
Ratinho: E essa excitação normalmente vem de um sentar no colo, de um carinho especial, mas na maioria das vezes não acontece nenhuma relação sexual e o namoro dos naturistas, como que os pais dos namorados se preocupam com os filhos namorando sem roupa, e os bailes como que são?
Platéia: Risos.
(...)
Ratinho: Vamos embora, vamos mostrar a matéria, depois eu quero conversar com vocês sobre isso, vai lá, pode rodar a matéria dos peladões.
Repórter: São 600 mil metros quadrados de terra, é o maior local de toda a América Latina onde só se pode andar nu, veja esse senhor capinando na primeira horta da comunidade.
Ratinho: (Risos) Capinando nu, olha o trem balançando.
Repórter: Nada incomum, se esse homem não fosse um padre e se não tivesse pelado (...)
Repórter: Voltaria a ser padre?
Padre: Sim, sim, eu acho que sou padre.
Repórter: Não deixa de ser padre.
Ratinho: É, com esse tico de fora aí, está certo.
Padre: Eu continuo a ser padre, mas só com um estilo diferente não é.
Ratinho: É muito padre, aí, isso vai padre, olha a filha do padre, jeitosa ela hein.
(...)
Ratinho: Aí que bonita, quer ver um (inaudível) na maionese.
Moça naturista: Já faz dois anos, então isso já faz parte da nossa rotina, é normal.
Tunico: Oi, bunda mole.
Ratinho: Cala boca Tunico.
Repórter: Como tu se sentes comprando em supermercado fora daqui?
Moça naturista: Aí, é exatamente igual.
(...)
Repórter: Desse jeito atrai o cliente?
Filha do padre: (Risos).
(...)
Ratinho: Américo corta, Américo para, Américo para.
Tunico: Vou ao banheiro e já volto.
(...)
Xaropinho faz gestos obscenos, ratinho dá um soco em Xaropinho.
Ratinho: Xaropinho, que se está fazendo pelado?
Segundo narra a inicial, o autor foi procurado pelo SBT, no ano de 1999, para veicular uma reportagem, visando a revelar a filosofia de vida dos praticantes do naturismo. Na oportunidade, alguns associados do Clube permitiram a exibição de imagens exclusivamente no Programa SBT Repórter.
É o que se depreende das autorizações de folhas 50/53. Consta do item 02 do texto que sejam as fitas com o material bruto e editado assinaladas com os seguintes dizeres "Uso exclusivo para o SBT Repórter", não sendo permitido sua utilização para quaisquer outro tipo de programa – em especial aqueles tipo "Ratinho".
Não foi o aconteceu. Além do material ter sido exibido no programa para o qual foi elaborado, também serviu de matéria para chamadas no programa cuja proibição foi expressa. Como se depreende do CD que acompanha o processo, várias imagens sobraram expostas durante o programa do apresentador Carlos Massa.
Entretanto, não somente a esse descumprimento de ajuste limitou-se a conduta dos réus. Como já fora previsto pelas pessoas que concederam autorização, tanto que por isso proibiram expressamente a sua veiculação no dito Programa do Ratinho, as mesmas foram alvo de escrachada zombaria e expostas ao ultraje público em troca de nada mais do que a conquista de audiência e a consequente repercussão financeira obtida pela emissora quando usou indevidamente as imagens.
Em razão disso, vários dos subscritores da precitadas autorizações tiveram acolhidas as suas pretensões de se verem indenizados pelos danos morais sofridos, como se depreende, a título exemplificativo, das Apelações Cíveis nº
70024883811,
70024328791 e
70006863583 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Com a pessoa jurídica não ocorreu situação divergente. Também ela teve sua honra objetiva abalada pela repercussão do malfadado episódio televisivo protagonizado pelo apresentador conhecido por Ratinho e pelos seus assistentes de palco.
O material publicitário trazido com a inicial (folhas 38/48) propaga o conceito de naturismo, tal como um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, que tem por intenção favorecer o auto-respeito, o respeito pelo outro e o cuidado com o meio ambiente (folha 38). Consta dentre os objetivos sociais do clube promover a difusão da filosofia e da prática do Naturismo (folha 307).
Esse ideal, assim como a consciência coletiva dos habitantes e demais conhecedores da prática, foi aviltantemente atacado no programa veiculado pelos réus para o qual não foi concedida qualquer autorização. As chamadas vulgares e maliciosas do apresentador acabaram por provocar ranhuras na boa imagem que o clube vinha construindo e afastando potenciais e atuais associados, como se pode divisar da prova testemunhal produzida.
Com efeito, a testemunha Isold Astrid Niewohner (folhas 229/232) referiu que tinha uma cabana no Clube Naturista ao tempo da veiculação da reportagem. Disse que a maneira insultante com que foram exibidas as imagens no Programa do Ratinho, acabaram por afastar a ela e a família do local, tendo retornado somente em 2004. Segundo seu relato, seus filhos lhe advertiam: nós não vamos mais lá mãe porque senão vão começar a falar mal de nós. Observou que as pessoas passaram a ter dificuldades de se dizerem naturistas, advindo um mal-estar geral na comunidade.
Além disso, referiu que, em 1999, existia um número significativo de famílias residindo na Colina, inclusive havia escola. Atualmente o número de famílias não ultrapassa quinze. Aduziu que nenhum dos naturistas filmados continua associado ao Clube: eu acho que para elas ficou uma situação pesada, elas de uma certa forma receberam seus rótulos também. Ponderou que o clube já estava bem esvaziado quando ocorreram as denúncias de crime de pedofilia imputados a moradores do local em data mais recente.
João Ubiratan dos Santos (folhas 233/235), ouvido na condição de informante, declarou que a reportagem veiculada no SBT Repórter foi excelente; em contraposição, a transmitida pelo Ratinho acabou por denegrir a imagem do clube, provocando a evasão de campistas. Observou que os moradores, depois disso, sentiram-se inseguros de estarem naquele lugar. Em resposta à inquirição do autor, aludiu que era frequente a procura do clube pela mídia, a fim de divulgar o modo de vida dos naturistas, situação que findou depois da exibição no Programa do Ratinho, o que trouxe prejuízo a ele.
Luiz Inácio Germany Gaiger (folhas 236/242) confirmou que a autorização para veicular imagens foi concedida unicamente para transmissão no SBT Repórter. Disse que houve uma decepção e uma frustração generalizada com a matéria divulgada no Programa do Ratinho: é um programa que deturpa, um programa grotesco, é um abuso, ele é preconceituoso, ele pega um aspecto superficial do naturismo e transforma isso em matemática de todo o programa, e procura em cima disso denegrir as pessoas, aumentar o preconceito quanto a uma prática que é autorizada por lei. E o programa fica nisso, ridicularizando as pessoas.
Observou que, depois de veiculadas imagens e áudio no precitado programa, os colineiros passaram a se evadir. Pessoas que pretendiam se instalar nas cabanas, deixaram de fazê-lo, negócios sobraram paralisados, a boa imprensa desapareceu.
Em suma, ao que é possível depreender, a parte autora sofreu sim, a partir do episódio protagonizado pelo apresentador Carlos Massa, abalo no seu bom nome, tanto que experimentou um escape de moradores e visitantes.
Vale lembrar que já sobrou assentado pelo Superior Tribunal de Justiça que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227). A propósito do tema, ainda, segue doutrina de Sérgio Cavalieri Filho (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed. 2ª tiragem, 2004, pág. 1110/111):
[...] a honra tem dois aspectos: o subjetivo (interno) e o objetivo (externo). A honra subjetiva, que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima, é exclusiva do ser humano, mas a honra objetiva, refletida na reputação, no bom nome e na imagem perante a sociedade, é comum à pessoa natural e à jurídica. Quem pode negar que uma notícia difamatória pode abalar o bom nome, o conceito e a reputação não só do cidadão, pessoa física, no meio social, mas também de uma pessoa jurídica, no mundo comercial? Indiscutivelmente, toda empresa tem que zelar pelo seu bom nome comercial.
[...]
Relembremos que o fundamento do dano moral não é apenas aquela idéia de compensação – substituir a tristeza pela alegria etc.; a par do sentido compensatório, a indenização pelo dano moral tem de assumir um caráter punitivo, conforme já salientado.
Sendo assim, deixar o causador do dano moral sem punição, a pretexto de não ser a pessoa jurídica passível de reparação, parece, data vênia, equívoco tão grave quanto aquele que se cometia ao tempo em que não se admitia a reparação do dano moral nem mesmo em relação à pessoa física. Isso só estimula a irresponsabilidade e a impunidade. Induvidoso, portanto, que a pessoa jurídica é titular da honra objetiva, fazendo jus à indenização por dano moral sempre que seu bom nome, credibilidade ou imagem forem atingidos por algum ilícito.
É evidente, pois, que a quebra do pacto avençado entre os réus e os associados do autor, trouxe-lhe prejuízo; dita conduta, pois, configura-se em fonte de obrigação.
Não obstante, a ilicitude da ação também ocorreu, porquanto os réus extrapolaram os limites da liberdade de imprensa, quer porque houve excesso na liberdade de expressão (artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal), quer porque o direito coletivo de informação (artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal) foi aviltado, já que o público se viu diante de comentários grosseiros, pejorativos e deformadores da realidade.
Ademais, não é possível olvidar que a livre manifestação não é direito absoluto. Ela encontra limite no também direito fundamental da inviolabilidade da esfera íntima (artigo 5º, inciso X do Constituição Federal). Dito de outra forma, se por um lado, é garantido aos meios de comunicação noticiar acontecimentos e de expressar opiniões, por outro, não podemos olvidar o direito dos cidadãos à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, lembrando-se que também a pessoa jurídica tem o direito de ter a sua honra objetiva preservada.
A reforçar tudo o que foi dito, reedite-se a avaliação da Dra. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, relatora da Apelação Cível nº 70003521176, que apreciou caso semelhante ao dos autos:
..., não obstante a insistência com que o apresentador do programa televisivo frisou e chamou à atenção sobre a nudez dos requerentes, não poupando imagens e comentários picantes até mesmo acerca de características físicas dos recorrentes, a efetiva nudez, não permitida, não autorizada, foi impiedosamente exibida a milhares de lares brasileiros, o que, por certo, provocou as mais variadas reações, as quais, sem hesitar, posso afirmar que trilharam caminho do repúdio ao escárnio.
E não se trata de defender a ideologia apregoada, tampouco ensaiar comentários sem embasamento filosófico acerca da filosofia esposada pelos naturistas; senão avaliar que, em um País cuja bandeira desfralda as liberdades individuais, o respeito a opiniões diversificadas, a miscigenação de raças e credos, o colorido de sotaques, a dimensão continental, a diversificação climática, dentre outras saudáveis diferenças, o esperado seria o respeito ao modus vivendi dos autores, sem extraírem-se, disso, as piadas de mau gosto e os trocadilhos que ultrapassam qualquer limite são de recato.
No recato, mais abarcam-se valores como dignidade humana e preservação ideológica do que a desnudação das partes pudendas.
Assim, a lesão foi gravíssima, exasperada porquanto veiculada em meio de comunicação que tem a obrigação de informar e proporcionar saudável lazer, disseminada em locais para o que e por que não aquiesceram os acionantes.
Foram postos em ridículo, alcunhados de forma pejorativa, servindo, por certo, de chacota apta a captar aplausos ao programa, cuja participação, não autorizada, dos autores, serviu-lhe para aumento de audiência e propaganda.
O ato praticado, mais do que denegrir a imagem dos autores, vai de encontro à filosofia cuja defesa aqueles buscavam preservar (naturismo) e cujas bases tentaram transmitir em cunho informativo, a programa que a tanto se prestasse (SBT repórter).
Dessa forma, não sobram dúvidas de que estão configurados (a) a conduta ilícita, (b) a grave lesão à honra objetiva do autora (c) o nexo de causa entre os danos e a ação perpetrada, vertida na veiculação de imagens fora dos limites em que autorizadas e ainda (d) a culpa lato sensu da emissora em assim fazê-lo.
Resta, pois, ser fixado o quantum indenizatório, antecipando-se que dito ofício não se revela nada fácil.
Postula a parte autora que a reparação se dê em valor equivalente ao décuplo do valor pago pelos espaços comerciais exibidos no Programa do Ratinho. Não trouxe aos autos o mínimo de indicativo que pudesse deixar antever em termos finais quanto essa importância representa. Logo, reputo não ser possível fixar valor às cegas, sob pena de não se alcançar, ao fim e ao cabo, a finalidade compensatória – sem produzir locupletamente sem causa – e a finalidade punitiva.
A esse efeito, é certo que, para a fixação do valor devido, deve ser levado em conta a condição econômica das partes, a repercussão do fato, a conduta do agente (análise de culpa ou dolo), tudo com vistas a se chegar a justa dosimetria do valor indenizatório.
A autora é pessoa jurídica de direito privado, um clube social; a parte ré, em contrapartida, é concessionária de serviço público, e está dentre as maiores redes de televisão do país. Daí se depreender que, enquanto a primeira é uma associação de fins não econômicos, conforme consta do Estatuto (folhas 307/316), a segunda goza de importante potencial financeiro.
O fato teve repercussão em âmbito nacional. As imagens ofensivas foram transmitidas, por mais de um dia e por vários minutos, o que serve para majorar a responsabilidade da parte demandada pelo ilícito. Importante consignar que o público do programa está dentre aqueles que, em face da precária cultura, encontra-se mais suscetível de ser cooptado pela opinião veiculada.
A conduta do agente, é possível ver do cenário probatório reeditado, vai além da mera negligência. Ao contrário do que afirmado e não comprovado pelos réus, de que houve equívoco no trânsito do material, ficou demonstrada a vontade livre, consciente e direta de agir de sorte a trazer prejuízo ao patrimônio moral da parte autora, com conhecimento prévio da ilicitude, visando, com isso, à obtenção de lucro.
Tomando-se por base, pois, esses vetores, e ainda considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tenho por justo fixar a indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), que equivale a cinco vezes a maior indenização concedida a um dos associados de conhecimento do Juízo. O valor deverá ser corrigido pelo IGP-M desde a data da prolação da decisão e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, consoante Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.
III. Decido.
À vista das razões expostas, julgo procedente o pedido formulado pelo Clube Naturista Colina do Sol na ação de indenização por danos morais que move contra TVSBT Canal 5 Porto Alegre Ltda. e TVSBT Canal 4 São Paulo Ltda., para condenar a parte ré, de forma solidária, no pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). O valor deverá ser corrigido pelo IGP-M desde a data da decisão e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.
Considerando os termos da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça, em face do princípio da sucumbência, condeno a parte ré a pagar as custas do processo, bem como dos honorários advocatícios devidos ao patrono da parte autora que fixo em 10% do valor da condenação, na forma do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
Publique-se.
Registre-se. Intimem-se.
Taquara, 08 de outubro de 2009.
Angela Martini,
Juíza de Direito – 2ª Vara.