sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Três bebês numa banheira

Nas palavras do Moleque que Mente® e Cisne resta a última esperança de uma condenação no caso Colina do Sol. Já consideramos antes que a "palavra da vítima" tem relevância especial em alegações de abuso sexual - mas também precisa ser "coerente e harmoniosa".

Dos 37 "fatos" listados na denúncia pela dra. Natália Cagliari, onze (nºs. 22-32) tem como supostas vítimas os internos do orfanato Apromin.

Hoje vamos examinar seis destes "fatos", 27 a 32. São iguais, mudando somente os nomes e idades das "vitimas", e alegam que Dr. André deu banho nos três meninos menores de 2 anos; passou mão neles; tirou foto passando mão neles; e repassou estes fotos para CD.

Quarta-feria, escrevi das "regras do jogo", e comecei este ensaio planejando seguir os passos normais de alegações: do origem e investigação no inquérito policial, ao formalização na denúncia, aos depoimentos em juízo, sob o contraditório, com tanto a acusação quanto a defesa interrogando as testemunhas. Seria, finalmente, o trabalho pedestre de repórter policial.

Não vai ser esta vez.

Depois de um noite em claro, revirando estas papeis em procura do origem no inquérito destas acusações, vi que três dos "fatos" da denúncia - 28, 30 e 32 - não tem origem nem no relatório da polícia, nem nas palavras das "vitimas", nem em qualquer lugar a não ser a imaginação da promotora.

As acusações de que os bebês foram fotografadas no banho, nascerem na denúncia, e lá morreram também, pois não foram sustentadas por evidências físicas, nem nos depoimentos em juízo.

Os outros "fatos" (27, 29 e 31), tem origem sim no inquérito, mas já no fase do inquérito houve contradições entre o que foi dito pelo Moleque® e Cisne, e os documentos do orfanato. Em vez de clarificar os fatos pedindo investigações adicionais, a promotora escolheu fazer a denúncia mas vago, assim escondendo a contradição mais óbvia, que Cisne disse algo aconteceu quando André deu banho nos três bebês juntos, quando ela mesma, e os registros do orfanato, comprovam que os três nunca estavam juntos no caso do André.

Mas vamos aos detalhes, que é o que interesse.

Na fase policial

Dois dias depois das prisões na televisão, conforme o relatório do delegado (que foi colocado fora do sigilo), APROMIM entrou em contato com o Ministério Público de Taquara - ficam na mesma quarteirão - que chamou o delegado. Ainda conforme o relatório, O Moleque que Mente® disse umas coisas em 13/12/2007 (fls 293-298); Cisne disse mais (fls 299-302); falaram de novo com O Moleque® (18/12/2007 fls 391-392) e ele disse mais do que tinha dito antes. Houve também um exame de corpo de delito em 18/12/2007, que não encontrou evidência física, mas em que o médico Sami el Jundi também conversou com o Moleque, com relato nas fls. 394-395, mas que não é relevante para estes seis "fatos" que examinamos hoje.

Conforme o relatório, Cisne disse:

"Que naquela final de semana, a noite, André foi para o banheiro dar banho [no Moleque®] em [Noruega] e nos gêmeos, Cleci não entrou no banheiro sendo impedido de entrar por André... que depois disso o comportamento de André ficou alterado... assim como dos gêmeos..."

A interrogação na polícia de Cisne em 13/12/2007 está na fls. 299-302 do processo. Não foi colocado fora do sigilo, e nunca examinei.

Já falamos do registro do orfanato, que controla a entrada e saída dos menores. Estes relatórios confirmam que Cisne foi, sim, visitar André e Cleci na programa "Familia Hospedeira", e que isso se deu na fim de semana de 26 a 28 de outubro de 2007, na casa alugado em Morro da Pedra.

Na denuncia, que vamos ver abaixo, parece que a promotora também consultou estes registros, e coloco a alegada banho entre estas datas.

Nunca estavam juntos

Porém, se examinamos melhor vimos as saídas registradas pelo orfanato:

O Moleque que Mente®, Noruega e Cisne em 26/10/07, e a anotação à mão: "[Os gêmeos] foram no domingo 28/10/07 c/Cleci".

O registro não recorda o horário em que Noruega voltou no domingo, nem a hora em que os gêmeos foram retiradas, nem a hora que eles, Cisne, e o Molque® voltaram.

Mas pelos registro é claro que os três bebês não estavam juntos com André e Cleci "à noite".

Relato do Moleque®

O relato do Moleque® está citado no relatório policial (fls 564):

no segundo passeio o casal buscou o menino e Cisne, uma adolescente também do orfanato, na sexta-feira e disseram que iriam levá-los a um aniversário do neto deles, no dia seguinte buscaram outro menino no orfanato, [NORUEGA], de dois anos de idade, e no domingo os gêmeos [OS GÊMEOS] também para levar ao aniversário.

O Moleque® aqui erra dizendo que Noruega só chegou no sábado. Mas afirma que os gêmeos só chegaram no domingo, que impossibilita a história de banho a três.

A denúncia

O promotor, recebendo um relatório policial, com réus presos, tem um tempo limitado para fazer uma denúncia. Formalmente, ele pode denunciar, não denunciar, ou pedir diligências adicionais.

A Corregedoria da Polícia documentou que a promotora Dra. Natália Cagliari pediu, sim, mais diligências à polícia:

Confirmou que os Policiais Civis MARCOS e EDMUNDO estiveram no Morro da Pedra a fim de colherem representação da mãe de duas vítimas a pedido da Promotora de Justiça de Taquara (fls. 22/24).

Mas ela não pediu clarificação deste contradição já aparente entre as palavras de Cisne, e os registros do orfanato que as desmentiam. Escolheu outro caminho, de fazer um par de denûncias para cada um dos três bebês, sem referência aos detalhe central e desmentido, do banho conjunto.

A denúncia comprova a perícia da dra. Natália Cagliari com editor de texto. Não é tanto escrito, quando copiado e colado, ctrl-c, ctrl-v. A promotora alega o mesmo par de "fatos" sobre cada um dos três crianças de menos de dois anos, então vamos reproduzir somente um exemplar de cada:

27º FATO (ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, VÍTIMA:       ) :

Entre os dias 26 e 28 de outubro de 2007, na Localidade de Morro da Pedra, na via que liga a estrada da Grota com a Estrada de Morro Negro, nas proximidades do Clube Naturista Colina do Sol, mas precisamente nas dependências da residência onde vive o denunciado ANDRÉ RICARDO LISBOA HERDY, este constrangeu a vítima, ________, mediante violência presumida, já que se trata de um bebê, contando com, aproximadamente, ________ de idade à época dos fatos, ao praticar e permitir que com ele praticasse ato libidinoso diverso da conjugação carnal, consistente em passar as mãos sobre seu corpo.

Nas ocasiões, o denunciado - aproveitando-se da inocência pueril, e do fato de ter levado a vítima até a sua moradia, através do Projeto Família Hospedeira, desenvolvido pela instituição de abrigo Associação de Proteção à Maternidade e à Infância – APROMIM – durante a oportunidade em que dava banho ao menino, realizou carícias sexuais nele. Após o evento, foi notado, pelos responsáveis das crianças da instituição anteriormente mencionada, e demais abrigados, que o menino passou a adotar comportamento com conotação sexual.

Formalmente, esta denuncia segue mais ou menos do relatório da polícia. [Falso: veja Erramos] Em termos de substância, talvez deixa um pouco de desejar. Como exatamente se dá banho num nenê sem passar a mão pelo seu corpo? Utilize bucha de cavalho?

Mas vamos examinar o segundo em cada par de denúncias, o texto que serve para "fatos" 28, 30, e 32:

28º FATO (PRODUÇÃO E ARMAZENAMENTO DE FOTOGRAFIAS, VÍTIMA:       ) :

Entre os dias 26 e 28 de outubro de 2007, na Localidade de Morro da Pedra, na via que liga a estrada da Grota com a Estrada de Morro Negro, nas proximidades do Clube Naturista Colina do Sol, mas precisamente nas dependências da residência onde vivem os denunciados ANDRÉ RICARDO LISBOA HERDY e CLECI _______, neste município, estes, em comunhão de desígnios e vontades, produziram e armazenaram fotografias, envolvendo a vítima _________, contando com apenas ______ de idade à época dos fatos, em cena pornográfica.

Segundo o apurado, o denunciado, valendo-se da inocência pueril da vítima, na ocasião dos atos libidinosos descritos no fato anterior, passou a fotografá-lo nas situações de carícias sexuais a que foi submetido. Posteriormente, passaram ambos os denunciados a armazenar tais imagens em CDs, os quais continham fotografias e filmagens de crianças e adolescentes praticando relações sexuais.

"Segundo o apurado"

Nos consideramos quarta-feira as regras do jogo do processo, como o caso Colina do Sol segue outras regras: prendeu-se primeiro, para procurar crime e indícios depois.

Nesta denúncia, a Dra. Nátalia Calgiari afirma que a acusação é "segundo o apurado". "Segundo o apurado", coisa nenhuma. Vejamos:

  1. Não tem no relatório policial, nenhuma afirmação nem de Cisne, nem do Moleque® nem de outra testemunha ou da própria polícia, de que os bebês eram fotografados no banho;
  2. Não há fotografias pornográficas ou até simplesmente nús de qualquer das supostas vítimas no processo;
  3. Não foram encontrados fotografias pornográficas de crianças nos computadores, nas máquinas fotográficas, nem nas CDs examinados pela IGP/IC (os 24 CDs que a policia submeteu, além dos 43 que apreenderam, podem ter - mas não das vítimas.)
  4. Quando o CPI estava em Porto Alegre, senador Magno Malta me mostrou as fotos pornô que a polícia inseriu no processo. Não houve nenhuma foto de gêmeos; não houve nenhuma foto que poderia ser Noruega; não me lembro nenhuma foto de um bebê tomando banho;
  5. As duas fotos do Moleque® incluídas pela polícia, não são nem pornográficas, nem peladas, nem sugestivas: já falamos da foto de peruca roxa.

Não há simplesmente nada no inquérito que a promotora recebeu da polícia, nenhum indício, de que fotos foram tiradas dos bebês no banho, nem de que foram transferidos para CDs.

Estas três denuncias estão completamente sem fundamento. Não deveriam ter sido escritos pela promotora, não deveriam ter sido aceitos pelo juiz.

O mal que faz

Faz mal o promotor fazer uma denúncia para qual ele não tem nem indício? Se o juiz aceitar, o promotor ainda tem que comprovar, certo? Se não comprove, o réu é inocentado, a sistema funcionou?

Poderia ser, se "há 37 acusações!" não for argumentado, e aceito, como prova da "complexidade" do caso, motivo para manter quatro pessoas presos durante treze meses.

A quantidade de acusações, dificulta o entendimento do caso, e o trabalho da defesa. Sugerem que há substância, onde há somente blefe.

Até para quem acompanhe este caso com afinco, confunde. Até esta madrugada, eu imaginava que estas três acusações eram baseadas nas mentiras do Moleque®, e que a defesa teria que enfrentar o poder especial da "palavra da vítima" para desmontar-las. Foi uma surpresa descobrir que nasceram da imaginação da promotora.

O que sobra?

O caso Colina do Sol nasceu gigante nos holofotes da imprensa, e se manteve intacto no escuro do "sigilo da Justiça". Mas se desmanche na luz do dia, na lógica fria, na apuração detalhada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário